Monday, December 27, 2010

As 6 lições de von Mises

Inspirado pelo post que escrevi ontem sobre Ron Paul, retirei da minha prateleira  a reedição para o XXIII Fórum da Liberdade (2010) das 6 Lições de Ludwig von Mises. Maior expoente da Escola Austríaca de Economia, em 1959 von Mises fora à Argentina para dar 6 palestras na Universidade de Buenos Aires apenas alguns meses após Perón ter deixado a presidência - e o país.

O evento abarratou o auditório e duas salas contíguas da instituição de estudantes ávidos por ouvir sobre liberdade de mercado e liberdade individual - temas praticamente tabus na Argentina da época.

Já com mais de 50 anos, o pequeno livro tem ensinamentos de uma atualidade incrível - confesso que lamentei não tê-lo lido antes. Na realidade, a forma simples e direta como trata sobre o funcionamento da economia deveria torná-lo, desde já, leitura obrigatória para todos os que gostam de palpitar sobre o funcionamento de mercados ou que conceituam ao seu próprio gosto os sistemas capitalista ou socialista - temas das duas primeiras palestras da obra, que tem apenas 102 páginas. As demais lições tratam sobre o intervencionismo, a inflação, o investimento externo e, finalmente, política e ideias.

Deve-se à esposa de von Mises, Margit, a edição e organização das palestras em textos transcritos e fluidos. Recomendo fortemente. Pessoalmente, depois de ler a obra, tive a impressão de que sua centena de páginas equivalem, em volume de informação útil sobre o funcionamento da economia, a mais do que metade de todas as milhares de páginas sobre economia reunidas que li na faculdade. O essencial, o realmente importante, está contido nestas seis lições.

Aqui neste blog, postarei seis artigos e seis resumos, um sobre cada uma das lições de von Mises. À excessão do último capítulo do livro, pelo qual iniciarei a série escrevendo um artigo e publicando o respectivo resumo, minhas opiniões e resumos acerca das demais lições virão aqui na mesma ordem em que constam no livro.

Por fim, nunca é demais saudar a iniciativa do IEE em ter reeditado o livro e distribuído, junto com o Instituto Mises Brasil, para todos os participantes do Fórum da Liberdade deste ano.

Boa leitura!

Sunday, December 26, 2010

Financiamento público de campanha: golpe às liberdades política e de expressão

Preciso escrever sobre o assunto. Vou ser breve, espero.

Um dos maiores golpes às liberdades individuais de expressão e política está sendo discutido a plena luz do dia e com o respaldo de centenas - sim, talvez até milhares - de ditos especialistas no assunto "reforma política". Acho que tais pessoas não estão se dando conta das implicações da ideia, mas vou tentar aqui abrir seus olhos: o financiamento exclusivamente público de campanhas é um atentado, uma afronta e uma limitação quase total às liberdades de expressão e política do cidadão comum durante o período eleitoral.

O assunto financiamento público de campanha exclusivo - que, aliás, não existe em NENHUM lugar do mundo da forma como está sendo proposto pelo PT (basta ver recentes declarações dos principais manda-chuvas do partido) - começou a receber apoio de verdade quando eclodiu o escândalo do Mensalão. A compra de parlamentares no Congresso Nacional logo viraria - para os delinquentes que instituíram tal prática, lógico - apenas um "esquema oriundo de caixa dois", ou mais eufemisticamente ainda, de "recursos não-contabilizados". Tal esquema, tendo sido identificado como a razão por trás de todo o escândalo, deveria ser severamente rechaçado e meios legais para evitar de toda forma a instituição de caixas dois em campanhas não poderiam esperar pois a sociedade clamava por respostas da classe política que evitassem novos valeriodutos e malas cheias de dinheiro. Solução mágica: se o dinheiro era privado, acabe-se com o dinheiro privado - institua-se pois o financiamento público de campanha. Exclusivo. Nada de dinheiro privado, nem um centavo.

Não é mais Natal, já é 26 de dezembro. Posso com tranquilidade dizer que não acredito em Papai Noel. Nem, muito menos, de verdade muito menos, que chegará o dia em que uma campanha eleitoral não terá um centavo de dinheiro privado. É mais provável que Papai Noel exista e desça a chaminé aqui de casa já em 2011 do que eleição no Brasil um dia chegar a não contar com dinheiro privado, mesmo que o financiamento exclusivamente público esteja em vigor durante, digamos, um século inteiro.

Na verdade, o financiamento público de campanha não termina com o caixa dois. Ele elimina, isso sim, o caixa um, tornando todas as transações financeiras privadas do indivíduo que se candidata automaticamente ilícitas, ilegais. Todas. Inclusive o refrigerante e o pastel que ele consumir em um posto de gasolina com seu próprio dinheiro em um roteiro de campanha pelo interior do Estado. Ou o telefone particular que ele utilizar para agendar encontros com lideranças ou para pedir voto para algum parente mais distante.

Além disso, a utilização dos recursos públicos por parte dos partidos, muitas vezes comandados por caciques, poderá ser totalmente duvidosa e, se hoje a fiscalização sobre os partidos já é dificultosa, imagine se o montante de dinheiro disponível for ainda maior do que o que hoje está à disposição deles. As campanhas, no país, aliás, já são em grande parte pagas com dinheiro público: o fundo partidário e o horário eleitoral "gratuito" estão entre os maiores custos de uma campanha - e, ao meu ver, nem deveriam existir (em especial o segundo, aberração tipicamente brasileira).

O mais absurdo, porém, da proposta de financiamento de campanha exclusivamente público é o tolhimento total da liberdade do indivíduo de expressar seu apoio ao seu candidato com recursos financeiros. Nem por pessoa física, nem por meio de sua empresa: o cidadão só poderá expressar sua opção por meio do voto no dia da eleição, não com o oferecimento dos meios necessários para que seu candidato chegue a se eleger. Sob o ponto de vista das liberdades individuais é um disparate. A liberdade de expressão, garantida pela Constituição, sofre aqui uma decepação total. E as liberdades políticas também, pois elas não se restringem apenas ao político que concorre, mas devem estender-se também a todos os cidadãos que votam, permitindo a eles que apoiem seus candidatos e demonstrem isso da forma como melhor lhes convierem.

Em resumo, o financiamento público de campanha fará:

1. apenas com que os partidos se isolem mais da sociedade, que interferirá no processo de forma ainda menos decisiva do que hoje, já bastante limitada;

2. que o contribuinte veja ainda mais dinheiro público sendo utilizado para financiar um sistema corrupto e altamente ineficiente;

3. com que o caixa dois, aquele que supostamente foi o grande motivador de toda a discussão em torno do financiamento público, veja sua importância crescer em gênero, número e grau nas contabilidades paralelas de candidatos e de partidos políticos.



Post scriptum.: não abordei de propósito a interferência do poder econômico, que é utilizada também como motivo para o extermínio do financiamento privado. Da forma como os próprios governos financiam as campanhas e seus candidatos, seja com as verbas oficiais para mídia, seja com ultrajante desvio de recursos públicos, é até covardia com as empresas falar em abuso do poder econômico. O que há hoje, de fato, é um abuso do poder POLÍTICO nas eleições, inclusive sobre o poder econômico, que é obrigado a apoiar os candidatos indicados pelos detentores de mandatos. Já as empresas que querem doar legalmente, encontram entraves e se desestimulam a fazê-lo oficialmente porque sabem que, logo logo, estarão elas entrando no círculo vicioso que se transformou o negócio chamado "campanha eleitoral" no Brasil, business operado pelos partidos políticos e, principalmente, pelos governos. Quer algo que seja mais "financiamento público" do que isso?

Saturday, December 25, 2010

Ron Paul, velho novo líder

O deputado republicano Ron Paul é certamente o mais radical congressista norte-americano quando se fala em liberalismo e em estado mínimo. O texano, obstetra de profissão, é deputado desde 1977. Desde então, não foram raras as ocasiões em que se viu só ao votar contra determinados projetos de lei a que se opunha, cravando 1 voto contrário no placar de 434 favoráveis. Sua obstinação fez com que se tornasse conhecido no meio político como Dr. No (Dr. Não) - sua esposa, porém, diz que na realidade os seus opositores soletram errado o apelido: o correto seria Dr. Know (algo como Dr. Sabe-tudo).

Trinta anos após sua entrada na política, Paul experimenta a fase mais promissora de sua carreira. Concorreu nas primárias passadas pela indicação do Partido Republicano à presidência (vencida por John McCain), o que deu visibilidade nacional ao seu nome, e foi escolhido recentemente por seus colegas republicanos como presidente do subcomitê de política monetária nacional do Congresso, além de ver agora seu filho Rand eleger-se senador pelo Kentucky. Em posição de destaque nacional, é também um dos líderes do Tea Party, principal movimento conservador norte-americano de oposição ao governo Obama e que surgiu na esteira da indignação de grandes setores da população do país contra os pacotes econômicos do governo.

Li há pouco entrevista com Paul feita por Ni-Hai Tseng, da revista Fortune, e cuja tradução em português está publicada no site do Instituto Mises Brasil. Ali, Paul defende talvez a tese mais controversa de toda a sua carreira: a extinção do FED, Banco Central Americano, e a volta ao padrão-ouro. Em época de crise cambial em todo o mundo e, em especial, da decisão do FED de inundar o mercado com US$ 600 bilhões de dólares, não surpreende que as ideias de Paul estejam sendo ouvidas. Ele próprio, porém, admite que se fosse presidente, não acabaria de vez com o FED, mas criaria uma espécie de "período de transição". De qualquer maneira, é interessante que, por mais que seja tratado como louco por muitos de seus colegas de partido, inclusive, a situação lhe é favorável, e uma nova tentativa de participar das primárias republicanas à Casa Branca já passa dos 50%, segundo ele próprio.

Não se pode prever, hoje, qual seria seu apoio em uma eventual candidatura - sobretudo porque, da vez passada, o movimento do Tea Party sequer existia. O fato concreto, porém, é que as ideias de Mises e da Escola Austríaca que Ron Paul defende estão encontrando um inesperado eco na sociedade - e o interesse na trajetória do texano só aumenta à medida que o governo Obama vai passando e suas políticas econômicas vão cada vez mais perdendo respaldo da sociedade. Velho líder dos libertários norte-americanos, novo líder dos conservadores, Ron Paul pode dar aos americanos ao menos uma certeza: se suas ideias não encontrarem respaldo no Congresso, mesmo assim aparecerá no placar um voto a seu favor.

Leia mais sobre Ron Paul na recente matéria, em inglês, do New York Times de 12 de dezembro.

Fernando Schüller, a educação pública e o direito administrativo brasileiro

A educação básica no Brasil vai mal. A educação básica pública no país, nem se fala. Fernando Schüller, secretário da Justiça e do Trabalho aqui do Rio Grande do Sul, aponta de forma clara e um tanto quanto como desabafo, o porquê da disparidade na qualidade entre o ensino público e o oferecido por instituições privadas. O exemplo dado por ele, excelente, é revelador: o mesmo professor que dá aulas em uma escola pública tem rendimento muito diferente quando, em outro turno do mesmo dia, leciona em um colégio particular - as razões elencadas por Schüller podem se resumir à estabilidade de que o professor goza como concursado na instituição pública e a incerteza de sua permanência na folha da escola particular se ele não seguir à risca aquilo que a direção espera dele.

Da mesma forma, antes de entrar na questão da educação, Schüller trata sobre as orquestras sinfônicas no Brasil. As instituições estatais que estão sendo substituídas por privadas (OSCIPS, por exemplo), têm se destacado nacionalmente e transformado o "músico servidor público" em espécie em extinção. O mais interessante dessa discussão toda é que muitos não querem abrir os olhos para ela - e os políticos, de forma geral, têm medo de encarar de frente o problema. Enfrentar sindicatos, poderosos aparelhos nas mãos de militantes que muitas vezes não conseguem ser domesticados nem pelos partidos que supostamente representam, é uma tarefa das mais ingratas e de difícil execução. O próprio presidente Lula, oriundo das bases sindicais e que sempre se orgulha de ter proximidade deles, nada fez em seu governo que possa ser usado como exemplo de político que logrou alguma reforma mais significativa a que algum sindicato se opusesse.

A instituição de OSCIPS na área cultural, por sua vez, antes de ser a solução perfeita, é um drible no direito administrativo nacional (como bem diz Schüller, consolidado em seus mais profundos equívocos pela Constituição de 1988) e uma forma de tentar o máximo possível manter os investimentos públicos em cultura com o foco em eficiência, qualidade e profissionalismo. Na educação, porém, o caminho será mais longo. Levando em consideração os exemplos já dados no passado pelo partido que assume os governos brasileiro e gaúcho agora em 2011 e o próprio desconhecimento dos ditos "especialistas" quanto à real dimensão do problema (também apontado por Schüller), não tenho esperança nenhuma de que mudanças significativas aconteçam. Mesmo no longo prazo. 

Política na área de educação não pode ser resumida à capacitação de professores, a equipar escolas públicas ou,muito menos, a instituir a aprovação automática nas séries iniciais, como também vem sendo ventilado. A melhora no sistema educacional só pode começar se for por uma profunda reforma administrativa, com princípios meritocráticos para promoções, a avaliação de desempenho constante do servidor público e a própria discussão de temas que pela esmagadora maioria dos políticos são considerados tabus, como a estabilidade e os direitos adquiridos.

Assista o vídeo da manifestação de Fernando Schüller no 6º Colóquio do Instituto Millenium de 8 de dezembro passado, sobre Cultura, Mercado e Liberdade de Expressão: