Preciso escrever sobre o assunto. Vou ser breve, espero.
Um dos maiores golpes às liberdades individuais de expressão e política está sendo discutido a plena luz do dia e com o respaldo de centenas - sim, talvez até milhares - de ditos especialistas no assunto "reforma política". Acho que tais pessoas não estão se dando conta das implicações da ideia, mas vou tentar aqui abrir seus olhos: o financiamento exclusivamente público de campanhas é um atentado, uma afronta e uma limitação quase total às liberdades de expressão e política do cidadão comum durante o período eleitoral.
O assunto financiamento público de campanha exclusivo - que, aliás, não existe em NENHUM lugar do mundo da forma como está sendo proposto pelo PT (basta ver recentes declarações dos principais manda-chuvas do partido) - começou a receber apoio de verdade quando eclodiu o escândalo do Mensalão. A compra de parlamentares no Congresso Nacional logo viraria - para os delinquentes que instituíram tal prática, lógico - apenas um "esquema oriundo de caixa dois", ou mais eufemisticamente ainda, de "recursos não-contabilizados". Tal esquema, tendo sido identificado como a razão por trás de todo o escândalo, deveria ser severamente rechaçado e meios legais para evitar de toda forma a instituição de caixas dois em campanhas não poderiam esperar pois a sociedade clamava por respostas da classe política que evitassem novos valeriodutos e malas cheias de dinheiro. Solução mágica: se o dinheiro era privado, acabe-se com o dinheiro privado - institua-se pois o financiamento público de campanha. Exclusivo. Nada de dinheiro privado, nem um centavo.
Não é mais Natal, já é 26 de dezembro. Posso com tranquilidade dizer que não acredito em Papai Noel. Nem, muito menos, de verdade muito menos, que chegará o dia em que uma campanha eleitoral não terá um centavo de dinheiro privado. É mais provável que Papai Noel exista e desça a chaminé aqui de casa já em 2011 do que eleição no Brasil um dia chegar a não contar com dinheiro privado, mesmo que o financiamento exclusivamente público esteja em vigor durante, digamos, um século inteiro.
Na verdade, o financiamento público de campanha não termina com o caixa dois. Ele elimina, isso sim, o caixa um, tornando todas as transações financeiras privadas do indivíduo que se candidata automaticamente ilícitas, ilegais. Todas. Inclusive o refrigerante e o pastel que ele consumir em um posto de gasolina com seu próprio dinheiro em um roteiro de campanha pelo interior do Estado. Ou o telefone particular que ele utilizar para agendar encontros com lideranças ou para pedir voto para algum parente mais distante.
Além disso, a utilização dos recursos públicos por parte dos partidos, muitas vezes comandados por caciques, poderá ser totalmente duvidosa e, se hoje a fiscalização sobre os partidos já é dificultosa, imagine se o montante de dinheiro disponível for ainda maior do que o que hoje está à disposição deles. As campanhas, no país, aliás, já são em grande parte pagas com dinheiro público: o fundo partidário e o horário eleitoral "gratuito" estão entre os maiores custos de uma campanha - e, ao meu ver, nem deveriam existir (em especial o segundo, aberração tipicamente brasileira).
O mais absurdo, porém, da proposta de financiamento de campanha exclusivamente público é o tolhimento total da liberdade do indivíduo de expressar seu apoio ao seu candidato com recursos financeiros. Nem por pessoa física, nem por meio de sua empresa: o cidadão só poderá expressar sua opção por meio do voto no dia da eleição, não com o oferecimento dos meios necessários para que seu candidato chegue a se eleger. Sob o ponto de vista das liberdades individuais é um disparate. A liberdade de expressão, garantida pela Constituição, sofre aqui uma decepação total. E as liberdades políticas também, pois elas não se restringem apenas ao político que concorre, mas devem estender-se também a todos os cidadãos que votam, permitindo a eles que apoiem seus candidatos e demonstrem isso da forma como melhor lhes convierem.
Em resumo, o financiamento público de campanha fará:
1. apenas com que os partidos se isolem mais da sociedade, que interferirá no processo de forma ainda menos decisiva do que hoje, já bastante limitada;
2. que o contribuinte veja ainda mais dinheiro público sendo utilizado para financiar um sistema corrupto e altamente ineficiente;
3. com que o caixa dois, aquele que supostamente foi o grande motivador de toda a discussão em torno do financiamento público, veja sua importância crescer em gênero, número e grau nas contabilidades paralelas de candidatos e de partidos políticos.
Post scriptum.: não abordei de propósito a interferência do poder econômico, que é utilizada também como motivo para o extermínio do financiamento privado. Da forma como os próprios governos financiam as campanhas e seus candidatos, seja com as verbas oficiais para mídia, seja com ultrajante desvio de recursos públicos, é até covardia com as empresas falar em abuso do poder econômico. O que há hoje, de fato, é um abuso do poder POLÍTICO nas eleições, inclusive sobre o poder econômico, que é obrigado a apoiar os candidatos indicados pelos detentores de mandatos. Já as empresas que querem doar legalmente, encontram entraves e se desestimulam a fazê-lo oficialmente porque sabem que, logo logo, estarão elas entrando no círculo vicioso que se transformou o negócio chamado "campanha eleitoral" no Brasil, business operado pelos partidos políticos e, principalmente, pelos governos. Quer algo que seja mais "financiamento público" do que isso?
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