Monday, May 11, 2009

Ilícito

Uma conversa com Moisés Naim, editor da Revista Foreign Policy e autor de Illicit

Mais de dez anos de pesquisa, viagens e entrevistas resultaram em um livro que trata sobre o lado obscuro do comércio mundial. A obra trata de todo tipo de comércio ilícito, desde o tráfico de pessoas, que afeta diretamente 4 milhões de pessoas e gira em torno de 7 a 10 bilhões de dólares ao ano, ao tráfico de drogas (que gerou, apenas às FARC no ano de 2003 quase 800 milhões de dólares), passando por aquele tipo que todos nós conhecemos e que fazemos de conta que não o é: CDs piratas, carteiras falsificadas e eletrônicos fabricados na Ásia e distribuídos no mercado informal antes mesmo de oficialmente lançados.

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O autor recebeu-nos na última sexta-feira no auditório da New America Foundation, que fica um andar abaixo da sede da revista Foreign Policy na área central de Washington. Naím é editor da revista, que é uma das mais renomadas no mundo quando o assunto é Relações Internacionais e vencedora de diversos prêmios de excelência; já foi Ministro da Indústria e Comércio da Venezuela, seu país de origem, e Diretor Executivo do Banco Mundial. A conversa que teve com o grupo de estudantes latino-americanos de Georgetown já é tradição – os jovens das duas edições anteriores do programa também tiveram oportunidade de conversar com Naím. Falou sobre seu livro e sobre o que vislumbra para o futuro da imprensa mundial.

“O problema e a solução passam pela política. E estamos perdendo a guerra”


Para apresentar o tema, um vídeo de dez minutos. Uma espécie de introdução visual tanto ao livro Illicit (em português, Ilícito - o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Jorge Zahar, 340 pp, 2006. R$ 54,00) como ao DVD da National Geographic baseado no livro. Ver imagens em vídeo, depois de ler a respeito já que cada um de nós recebeu uma cópia do livro antes do encontro, impactou e consolidou ainda mais a imagem do que significa o comércio ilegal no mundo – e como cada um de nós está envolvido.

De onde surgiu a idéia de fazer um livro sobre esse assunto?

“Estava caminhando na rua em Milão e, a duas quadras da loja da Calvin Klein estava um senhor, na rua, vendendo carteiras idênticas às que se encontram nas lojas oficiais – eu não conseguia perceber a diferença. Comecei a conversa com o vendedor e descobri que era praticamente um escravo: havia sido trazido da África ocidental, passou alguns meses no norte do continente em um quarto com outros dezessete na mesma situação e depois foi levado à Ilha de Malta. Dali, os chefes do esquema o levaram a Milão e o colocaram para vender as carteiras falsificadas nas ruas. De duas a três vezes ao dia, passava um carro para recolher o dinheiro que arrecadava com o negócio. No fim do dia, era levado para uma cidade satélite de Milão onde compartia moradia com outra dezena de pessoas na mesma situação. Se escapasse, a ameaça era de que matariam à sua família.
Logo em seguida, viajei para Nova Iorque e, no caminho para a reunião que eu tinha lá, encontrei outro africano vendendo na rua a mesma carteira da Calvin Klein e que me contou exatamente a mesma história: foi levado para o norte da África, depois de um tempo para Nova Iorque; ali, passava o dia vendendo suas carteiras em Manhattan e, de duas a três vezes ao dia passava um carro para recolher o dinheiro. No fim do dia, ia para Long Island, a mais ou menos uma hora de Manhattan, onde passava à noite em situação semelhante aos vendedor de Milão. Aí comecei a investigar a fundo como se dão essas redes e de que forma a globalização potencializou esse comércio”.

Como chegamos numa situação dessas?

“Nada disso pode acontecer sem envolvimento de governos – autoridades, oficiais, políticos e fiscais. Sem que ao menos dois governos estejam envolvidos é impossível o comércio ilegal. O problema e a solução passam pela política. E estamos perdendo a guerra. Se os governos não começarem a atuar em conjunto, a situação só tende a piorar – e nos últimos anos, não vi um único caso em que um governo tenha tido mais sucesso do que fracassos combatendo o comércio ilícito”.

O que é pirateado?

“Não há nenhum produto de êxito global que não tenha sido copiado. Nenhum. Claro que é proibido, mas tudo que tem valor comercial é alvo de pirataria”.

E o problema das drogas, que tanto afeta a América Latina?

“Para resolvê-lo, temos de parar de falar somente em probição versus legalização. É óbvio que ninguém quer que seu filho de 14 anos compre heroína, mas também já vimos que prender consumidores de maconha também não está dando resultado. Reunimos intelectuais e autoridades latino-americanas, como os ex-presidentes do Brasil (FHC), Bolívia (César Gaviría) e México (Ernesto Zedillo) para estudar o tema durante dois anos. Chegamos à conclusão de que o problema da maconha, em específico, é mais de saúde pública do que de criminalidade. O custo da proibição hoje, portanto, está sendo maior do que o da legalização. Isso não significa que queremos legalizar as drogas, mas que não se ataque mais apneas nos três eixos tradicionais: moral, educacional e punitivo. Nos EUA, uma geração inteira já não fuma mais cigarro porque sabe que os efeitos do cigarro à saúde são maléficos – e os da maconha também são. A nicotina, aliás, vicia muito mais do que o THC [princípio ativo da maconha]. Do ponto de vista da oferta e da demanda, é muito mais fácil um jovem de 15 anos nos Estados Unidos ter acesso a um baseado do que a uma cerveja ou a um maço de cigarros. Os países latino-americanos muito pouco podem fazer para controlar a produção de droga se não houver uma mudança de abordagem nos países que a demandam. Como convencer um camponês a deixar de plantar coca ou papoula se é mais fácil e muito mais rentável do que outras culturas e o mercado americano e europeu continuam demandando?”

Como atuam as máfias internacionais e quais são as mais importantes?

“Costumamos ter a imagem de que máfia é igual a Marlon Brando, é igual ao Poderoso Chefão, em que há uma estrutura de chefia, de pirâmide. A verdade é que a situação mudou muito. Hoje são redes internacionais que atuam, com o agravante de que os criminosos estão se politizando e a polícia está se corrompendo”.

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Quer saber mais sobre o livro? Em breve, resenha e opiniões quem o leu em www.marcelvh.com.br

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